sexta-feira, 25 de abril de 2014

Dançarino Douglas sentia “saudades eternas” do traficante Cachorrão. De luto em janeiro, postou no Facebook que “o bico” ia “fazer barulho”, porque “os amigos” estavam “cheio de ódio na veia”. Pode ser vítima, mas santo não era


Captura de Tela 2014-04-23 às 23.01.45
    Já imaginou como estariam as redes sociais se alguém descobrisse um post dos PMs do Pavão-Pavãozinho que os vinculasse mesmo que indireta e sentimentalmente a algum traficante ou falasse em ódio após a morte de um deles? Pois é. Seria um Deus-nos-acuda – quer dizer: um Capeta-nos-guie! – nas páginas dos jornais e da militância da desmilitarização.

Mas agora é do outro lado.
    Em 18 de janeiro, um dia após uma troca de tiros no Pavão-Pavãozinho resultar na morte de Patrick Costa dos Santos, o Cachorrão, de 25 anos – que tinha duas condenações por tráfico e obteve livramento condicional em outubro de 2012 -, o dançarino do “Esquenta” Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG e encontrado morto nesta semana na mesma favela que os jornalistas insistem em chamar de “pacificada”, postou no Facebook:
PPG TA DE LUTO, E OS AMIGOS CHEIO DE ODIO NA VEIA, MAS TARDE O BICO VAI FAZER BARULHO…. 
‪#‎SAUDADES‬ ETERNAS CACHORRAO ! 
Passando a limpo a tradução de um policial civil:
- “PPG” é a dita “comunidade” Pavão, Pavãozinho e Galo.
- “Bicos” são fuzis de uso restrito das forças armadas, de grosso calibre (7,62mm e 556mm) e altíssima letalidade, como COLT AR 15, M-16, AK-47, G3 e outros.
- “Os amigos” são os integrantes das quadrilhas que traficam drogas, cometem homicídios, sequestros, roubos e crimes variados.
- “Fazer barulho” é efetuar centenas de disparos, aterrorizando a população ordeira.
- “Cheio de ódio na veia” eu preciso explicar? Não é decerto o sentimento lindo de “miguxos” que querem obedecer a lei naquela noite e nos dias (meses e anos…) seguintes.
Mae-de-dancarino-DG-no-velorio-do-filho
Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo
    Muita calma nessa hora. Aqui não se vai culpar ninguém pela morte de Douglas, muito menos ele mesmo, e que dirá justificá-la, sem que as investigações estejam concluídas. Mas quando morre um morador da favela, ele é logo tratado como um santo inocente vítima de um PM criminoso – na verdade, de toda a PM criminosa que deveria sumir da face da Terra -, de modo que é preciso trazer à luz as informações de todos os lados, sem ceder à polícia do pensamento. Por mais humano que seja sentir saudade de alguém que escolheu o caminho errado, falar publicamente dos “amigos” que vão dar tiros de fuzil em função de sua morte, no momento mesmo em que se revela o luto e a saudade, faz parecer que não se julga a escolha pelo crime e o comportamento dos criminosos coisas assim muito erradas, não é mesmo? Pelo menos a intimidade com os traficantes resta evidente – e é um dado a mais a ser observado.

 Por Felipe Moura Brasil

            http://veja.abril.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário